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::O papel da mulher na sociedade alemã::

28/06/2004

Pode-se dizer que a sociedade alemã é muito tradicional. A divisão de papéis dentro da família na Alemanha, em grande parte, segue aquele velho esquema de que a mulher é responsável pelos filhos e pela casa, enquanto o marido é responsável pelo sustento da casa. Mais de 33% das famílias vivem neste esquema. Naturalmente há muitos homens que participam ativamente do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos, mas a grande maioria desse trabalho fica mesmo por conta das mulheres.

Baseado neste conflito de funções, as mulheres se dividem em três grupos dentro da Alemanha: as 100% donas-de-casa e mães, as que trabalham em tempo parcial e as que trabalham em tempo integral. Os dois primeiros grupos são bem maiores do que o terceiro.

Aqui na Alemanha aproximadamente 60% das mulheres trabalham fora, a maioria em tempo parcial. Comparado com outros países industrializados, o nível de ocupação feminino na Alemanha é baixo devido a várias causas:

  • grande pressão da sociedade, da igreja, tradição cultural de que é negativo para o filho quando a mãe trabalha, o que acaba causando, muitas vezes, um peso na consciência e sentimento de culpa nas mães que trabalham fora;
  • altos gastos com creche, pequena oferta de instituições que cuidam de crianças durante o período em que as mães trabalham, principalmente para crianças abaixo de três anos de idade. Muitas vezes a mãe ganha pouco e nem vale a pena colocar o filho numa creche e trabalhar mais horas do que em tempo parcial;
  • o horário da escola é irregular (a cada dia a escola começa e termina num horário diferente) e praticamente não há oferta de escolas de tempo integral;
  • pouca ajuda de familiares em relação à educação dos filhos;
  • apesar das leis alemãs preverem a possibilidade do homem ficar em casa com o filho durante os três primeiros anos de vida da criança, ou parte deste período, na realidade pouco mais de 1% dos novos papais têm feito uso desse direito nos últimos anos dentro do país.

A língua alemã prevê até um nome para a mãe que não cuida direito do seu filho, a “Rabenmutter”. Já li que esse termo, que é o contrário do que chamamos de “mãe-coruja” em português, não existe em francês. Detalhe: na França é comum que praticamente todas as mulheres voltem ao trabalho alguns meses depois de ter um filho e o apoio governamental em termos de creches e escolas de tempo integral é imensamente maior que na Alemanha. A sociedade aceita que a mãe trabalhe e julga normal a existência de crianças, mas não as endeusa. Até a política fiscal na França é mais justa, não só analisando os ganhos anuais de um casal ou uma pessoa em si, como na Alemanha, mas dividindo os ganhos anuais de uma família pelo número de pessoas que vivem em uma casa. O que faz com que muitas famílias não paguem ou paguem pouco imposto. Não é a toa que a taxa de natalidade na França, atualmente 1,9 filhos por casal, é bem maior que a taxa de natalidade na Alemanha, que é de 1,3 filhos por casal.

Por outro lado, poderia-se argumentar que a mulher alemã não quis aceitar os conflitos da mulher moderna, que vive mil e um papéis como mãe, esposa, profissional e dona-de-casa (Sim ! Aqui quase não existem empregadas domésticas, todas temos que pegar e fazer tudo dentro de casa!) e cedeu seu lugar na sociedade economicamente ativa pra ficar em casa cuidando dos filhos e da casa. A cada ano, 122.000 postos de trabalho são deixados por mulheres que dão à luz a seus filhos e não voltam mais ao trabalho.

Com o nascimento de um filho, também dentro de um par bi-nacional, não é raro surgir o conflito de como a criança deverá ser educada: segundo os moldes tradicionais alemães, ou segundo os moldes do país do parceiro estrangeiro. Ouvi o caso de uma francesa que cedeu às pressões do marido alemão e deixou definitivamente seu emprego para tomar conta de seu filho, apesar de acreditar, como toda francesa, que filho e trabalho podem ser combinados. O marido quis também mudar-se com ela e o filho de Munique para uma cidadezinha do interior, para que seu filho tivesse, na sua opinião, mais qualidade de vida. Resultado: a francesa ficou 6 anos em casa, sofrendo de solidão, muito contra sua vontade, pois nessa cidade pequena não encontrou nenhuma creche ou jardim que acolhesse seu filho para que pudesse voltar a trabalhar. Ao mesmo tempo afirmou não ter encontrado apoio dentro do meio profissional para ser mãe e continuar trabalhando.

Há grandes diferenças em termos de apoio governamental quanto aos cuidados de crianças entre os estados alemães. Há estados alemães, como eu já presenciei em Nordrhein-Westfalen, onde há creches para bebês a partir de 4 meses de idade (raridade em termos nacionais) e aqui em Baden-Württemberg só há poucas creches para crianças a partir de 3 anos de idade. Uma opção, para muitos, é procurar uma Tagesmutter (mãe emprestada, mãe durante o dia), ou procurar ajuda familiar ou de amigos / vizinhos. Já na escola, a opção para a ausência da escola integral é encontrar um lugar muito disputado para sua criança em um “Hort”, um local anexo às escolas onde as crianças almoçam, fazem o Para-Casa, brincam e participam de várias atividades nas férias, junto de educadoras (todas com formação universitária).

Pelo fato da taxa de natalidade estar caindo assustadoramente na Alemanha, porque muitas mulheres que investiram em seus estudos desejam alcançar um lugar ao sol em termos profissionais e também pelo fato de que o custo de vida está ficando cada vez mais caro por aqui, a tendência é de que o governo tenha que aumentar o apoio às famílias com crianças, para que pai e mãe possam ir trabalhar, caso queiram e/ou tenham que trabalhar. O relacionamento entre homem e mulher também tende a alterar-se com o tempo: se ambos trabalham e se aqui praticamente não existem empregadas domésticas, ambos devem se encarregar do cuidado com a casa e com os filhos.

Muitas mulheres estão em casa aqui na Alemanha, parcial ou completamente. Umas por prazer, outras por desprazer, outras por falta de opção. Há vários prós e contras para aquelas que querem trabalhar, para aquelas que querem ficar em casa e para aquelas que querem enfrentar as duas funções. Afinal, há a liberdade de escolha para que decidam de que forma querer viver suas vidas. Mas uma coisa deve ser notada: a independência de poder ganhar o próprio salário faz bem para todo ser humano e a mulher que trabalha se sustenta com seus próprios meios, continua independente financeiramente, contribuindo para sua aposentadoria. Os filhos de mulheres que trabalham aprendem a ser independentes mais cedo e podem se espelhar positivamente na mãe, vendo que ela é um profissional respeitado e que tem seu valor para a sociedade. Uma mulher satisfeita fora de casa tenderá a ser uma mãe e esposa satisfeita dentro de casa. Essa maneira de pensar tem tomado os artigos das revistas femininas alemãs nos últimos tempos, como forma de tentar mudar o jeito de pensar da maioria da sociedade, que continua achando que lugar de mãe é dentro de casa.

Mas, afinal, a opção final de ir ou não ir trabalhar sendo mãe, indepententemente dos percalços a serem enfrentados, fica única e exclusivamente a cargo da mulher, mesmo que, por muitas vezes, ela acabe se decidindo pelo que é “normal” dentro da sociedade em que está inserida.


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