Semana passada durante a Páscoa dois homens agrediram um engenheiro alemão de origem africana de 37 anos, pai de dois filhos, casado com uma alemã. Até hoje ele se encontra no CTI daquela cidade, em estado de coma. Por sorte, ele conseguiu que parte das agressões por ele sofridas fossem gravadas na secretária eletrônica de sua esposa, pois ao perceber que a situação estava ficando séria para o lado dele, ainda teve controle para apertar no botão do seu celular, que refez sua última ligação. Ao descobrir este trecho da conversa, cheio de agressões do tipo “negro” e da pergunta “você não tem pátria?”, a polícia montou uma comissão de 25 investigadores que passaram a oferecer 5.000 euros para pessoas que pudessem identificar os agressores. Alguns dias depois foram presos dois alemães, ambos apresentaram alibis de que estavam em outro lugar no momento do ataque. Mas pelo menos um deles está provavelmente envolvido no crime, pois foram encontradas provas do seu DNA em uma garrafa de cerveja quebrada encontrada no local onde este ocorreu.
Depois que o inadimissível aconteceu, já se passaram vários outros episódios relacionados à notícia. Primeiro o governo alemão decidiu que o caso não seria tratado pela polícia de Potsdam mas sim a nível nacional, pois um caso como este põe em risco a segurança do país. Várias mil pessoas em Potsdam foram às ruas e realizaram passeatas contra os neonazistas e contra o racismo. Políticos comentaram e tentaram justificar o fato, tentando evitar que se tirem “conclusões precipitadas” sobre o mesmo, um deles dizendo que “há também pessoas loiras de olhos azuis que se tornam vítimas de atos de violência, em parte, cometidos por pessoas que possivelmente não têm a cidadania alemã. Isso também não é melhor” (triste afirmação, do começo ao fim). Por fim, neste final de semana o jornal sensacionalista BILD levantou várias informações desnecessárias e lançou dúvidas sobre o motivo racista dos agressores. Este jornal afirmou que tanto o engenheiro atacado quanto seus agressores se encontravam alcoolizados, e do contrário do que se supunha no início, o agredido não teve fraturas nas costelas mas caiu ao ser atingido por seus agressores por um “único” soco em seu olho, e por estar alcoolizado “não foi capaz” de se sustentar em pé! Disseram que a gravação encontrada como prova do crime dava mostra somente de pessoas alcoolizadas com dificuldade de fala (o que é praticamente uma mentira, pois eu ouvi a gravação várias vezes e ela está quase perfeita). Por fim, hoje li que o prefeito da cidade de Potsdam considera, de forma sensata, que não se deve ficar especulando sobre o caso enquanto o agredido continua no hospital à beira da morte, em estado de coma. E ainda afirmou que “em Potsdam há racismo, e nós temos que lidar com ele”.
Eu, da minha parte, fiquei irada com tudo isso. Por que uma pessoa negra é agredida neste país e ao invés de especularem tanto sobre as razões dos agressores não se tenta aprender com o ocorrido, não se enfrenta o problema de frente? O racismo existe sim, os problemas de integração de estrangeiros são muitos, há resistência tanto por parte de alemães pouco esclarecidos quanto do lado de certos grupos estrangeiros que já estão aqui há muito tempo e se negam a aceitar vários princípios democráticos e/ou dos Direitos Humanos. Por que não se aproveita o ocorrido, à beira do início da Copa do Mundo em solo alemão, quando tantas pessoas das mais variadas nacionalidades estarão visitando este país, e não se inicia uma campanha pró-multicultural, levantando e dando exemplos dos tantos fatores positivos da mistura de culturas, não se discute que tipo de qualificação será incentivada pelo governo e bem-vinda para que se possa preencher os vários cargos que continuam vagos por não haver mão-de-obra qualificada dentro do país, não se inicia uma campanha esclarecedora de que não existe uma resposta simples para os complicados problemas atuais do pais (p. ex. o alto nível de desemprego) e que esta resposta simples não pode ser só a presença de estrangeiros e que estes, trabalhando e vivendo aqui, contribuem para que o sistema social e a economia do país continuem em funcionamento?
No começo de minhas leituras sobre o caso uma coisa que muito me chamou a atenção foi o fato da própria imprensa ter tido dificuldade de noticiar o fato, dando várias conotações a este homem, chamando-o de negro etíope com passaporte alemão, alemão negro de origem etíope, alemão-africano, alemão de origem africana, e ainda sobre sua profissão, qualificando-o como engenheiro do meio-ambiente perto da Promoção, colocando que ele estava desenvolvendo pesquisas que pretendia colocar em prática em trabalhos posteriores junto ao 3° Mundo. Uma coisa positiva que citaram logo de cara, se não fosse a tristeza do ocorrido, foi que se os políticos andavam procurando por exemplos de integração bem sucedidos no país, este homem era um exemplo impecável de alguém que veio aqui para estudar, mora aqui há 19 anos, adquiriu a nacionalidade alemã, casou-se com uma alemã, teve dois filhos, trabalha aqui e fazia sua Promoção. Mas isso tudo não justifica nem deixa de justificar o maltrato dado a esta pessoa. Independentemente de sua posição social, era uma pessoa como outra qualquer que queria se locomover dentro de uma cidade e foi agredido, roubado e maltratado (quase) à morte.
Pois é. Olhar para uma pessoa e tomar conclusões precipitadas de quem ela é é fácil. Estou dizendo isso pra mim também. É preciso evitar o preconceito latente e ver em cada ser humano uma pessoa com direitos e deveres, onde quer que ela se encontre nesta face da Terra, como cidadã do mundo. E se ela for imigrante, provavelmente estará em busca de melhores condições de vida, para si e para sua família. Hoje eu sou imigrante num país estranho. Ontem foram meus antepassados, que emigraram da Europa para o Brasil, também em busca de muito daquilo do que vim buscar aqui.
É possível dar respostas plausíveis e reais sobre questões complicadas tais como a integração e procurar soluções praticáveis para os problemas econômicos enfrentados pela Alemanha nos dias de hoje. Se isso foi possível nesta reportagem da “Deutsche Welle”, por que não é possível realizar-se uma campanha nacional neste sentido, dando “nome aos bois” e procurando alertar, informar, esclarecer o cidadão e frear o avanço de movimentos da extrema direita tais como o do partido NPD?
Pós-escrito: há excelentes jornais na Alemanha que não fogem da realidade do país e fazem jornalismo de primeira categoria. Um exemplo é o Süddeutsche Zeitung (jornal do sul da Alemanha). Esse artigo é absolutamente imperdível (em alemão)!!!