De férias nos alpes alemaes, a 3km da Áustria na Baviera, na regiao de Allgäu no sul da Alemanha, estou aqui descansando do dia-a-dia, admirando a beleza e grandiosidade da natureza a 1200 metros acima do nível do mar e recarregando as baterias, mas ao mesmo tempo nao deixo de me interessar pelos temas da atualidade.
Comprei uma “Der Spiegel” (O Espelho), uma das melhores revistas de atualidades da Alemanha, e nela encontrei uma entrevista com nosso presidente Lula, que me deu uma aula sobre os temas atuais do Brasil. Aqui, uma traducao resumida da mesma (quase sem acentos, já que traduzo do laptop), contida na edicao de 10.05.08. Interesso-me naturalmente por comentários sobre as palavras do Lula, principalmente de quem está dentro do Brasil. Vamos à entrevista, da qual pessoalmente gostei muito:
Spiegel: Senhor Presidente, antes o senhor era peca atuante do sindicalismo brasileiro. Portanto, muitos tinham medo de que o senhor fosse tomar um curso de esquerda quando chegasse ao poder. No entanto, gracas à sua política economica liberal o país se desenvolveu de forma espetacular nos últimos anos. O senhor desistiu de seus princípios do passado?
Lula: Como presidente tenho que ser representante de vários grupos. Este é o sentido da democracia. Tenho que atender a vários grupos e tentar achar consenso entre seus interesses. No ano de 2003 foram necessárias medidas de corretura do curso financeiro que nao foram fáceis, com o fim de que os brasileiros pudessem aproveitar de um pouco mais de estabilidade agora.
Spiegel: O seu país acabou com suas dívidas junto ao FMI e se tornou um lugar seguro para investimentos internacionais. 20 milhoes de brasileiros passaram a fazer parte da classe média. Mesmo assim ainda há uma grande diferenca entre os ricos e os pobres entre a populacao de 190 milhoes de brasileiros. Como o senhor quer acabar com ela?
Lula: Nao há como acabar com as desigualdes de centenas de anos em apenas oito anos. Mas achamos uma maneira de acabar com a pobreza, que nem caro é. Pagamos a jovens um subsídio, com o fim de que frequentem a escola e aprendam um ofício. 400 mil jovens, que antes nao teriam chances de chegar à universidade, dentre os quais 40 % de negros, recebem este tipo de ajuda.
Spiegel: Nas grandes cidades brasileiras há uma guerra entre as bandas de drogas, no Rio de Janeiro a maioria das favelas está nas maos de bandas armadas. O Estado perdeu o poder sobre as favelas?
Lula: O problema nao pode ser resolvido somente com a acao policial. O Estado tem que mostrar presenca, abrir chances, assim a violencia diminui. Por isso estamos saneando no país as grandes favelas. Estamos cuidando para que recebam água potável, energia e saneamento básico, escolas, hospitais e bibliotecas. Enquanto nossa economia crescer entre 4 e 6%, podemos fazer isso. Temos hoje reservas de 270 bilhoes de dólares. Sem que nos envididemos novamente, podemos investir em nossa infra-estrutura, financiar nossos portos, rodovias, estradas de ferro e aeroportos.
Spiegel: E agora o país quer se tornar também uma potencia do petróleo?
Lula: Descobrimos imensas reservas de petróleo nos mares brasileiros. Nos temos o know-how para explorá-las. Queremos comecar em marco com os primeiros testes, a partir de 2010 queremos comecar com a exploracao do petróleo. A partir daí o Brasil será um grande exportador de petróleo. Vamos querer entrar para a OPEc e tentar fazer com que o preco do barril caia.
Spiegel: O Brasil aposta no álcool como combustível do futuro, ganho da cana-de-acucar. Mas na Europa o combustível nao é visto com bons olhos em termos ecológicos.
Lula: O Brasil tem uma experiencia de 33 anos com este tipo de combustível. Os carros movidos a álcool diminuem as emissoes de CO2 na atmosfera. As plantacoes de cana-de-acucar podem ser cortadas durante 5 anos e sao uma producao sem concorrencia, bastante barata.
Spiegel: Estao havendo manifestacoes do Haiti até a Índia por causa do aumento do preco dos alimentos. O aumento da producao de álcool nao compromete a producao de graos?
Lula: Posso entender que os europeus tenham esse tipo de dúvida. Mas este argumento nao condiz com nossa realidade. Nao está certo produzir combustível de alimentos. Mas sao os EUA e a Europa que transformam alimentos em combustível, que acabam faltando como comida. Eu já disse muitas vezes aos meus amigos europeus que nao vale a pena mexer com combustíveis ecológicos. Nós e os africanos podemos fazer isso muito melhor do que eles. A Uniao Européia deveria dar a chance ao Terceiro Mundo de produzir este tipo de combustível.
Spiegel: Mas o aumento da producao de cana-de-acucar toma o lugar do milho e da soja.
Lula: Nos temos terra para dar e vender: 280 milhoes de hectares, sol e água. Somente 3% desta área está tomada pela cana-de- acucar. O Primeiro Mundo deveria parar de subvencionar a agricultura e baixar as alíquotas de importacao para produtos agrícolas.
Spiegel: Entre a Colombia e o Ecuador quase aconteceu uma guerra…
Lula: Daí surgiu o Chavez, que atuou como um pacifista entre os dois países. Ainda bem que na América Latina as guerras sao feitas somente com palavras. Nossa maior arma é nossa língua. Nos falamos demais!
Spiegel: O Brasil pode ajudar na democratizacao de Cuba?
Lula: Queremos ajudar Cuba. Profissionais da área agrícola irao a Cuba para ajudar a plantar 20 mil hectares de soja, será a primeira plantacao deste tamanho na ilha. Vamos construir estradas e participar na producao de medicamentos. Os cubanos receberam uma boa educacao, eles agora tem que conseguir construir a base para um avanco no desenvolvimento do país.
Spiegel: É possível ter pensamentos de esquerda sem arrumar problemas com os EUA?
Lula: As grandes potencias tem que pagar um preco, nós também temos que pagar o nosso, como potencia economica da América do Sul. Os EUA sempre tentaram dominar a América Latina. Eu aconselhei o Bush para que concentre suas atividades de ajuda ao Terceiro Mundo na América Central e no Caribe.
Spiegel: O Brasil e a China, como países em via de desenvolvimento, fecharam uma alianca estratégica. Até agora eles compram produtos primários e inundam o Brasil de produtos baratos. O senhor nao esperava mais?
Lula: Todos os países tem problemas com a potencia economica chinesa. Reconhecemos a China como mercado, para que o país possa participar das negociacoes da Organizacao Mundial de Comércio. Agora a China tem que contribuir com sua parte.
Spiegel: A Alemanha está perdendo terreno no Brasil, tanto política como economicamente. A Franca, Espanha e até a Holanda estao investindo mais. Como o senhor explica isso?
Lula: Eu entendo que os alemaes estejam mais voltados para a Alemanha Oriental depois da caída do Muro. Mas agora eles deveriam se voltar mais para o Brasil e para a América do Sul. Eles devem avaliar como se mostrará o potencial desta regiao em 10 ou 15 anos. Vamos construir tres novas usinas de água, duas usinas atomicas e uma rodovia de alta velocidade entre Sao Paulo e o Rio. Os espanhóis já se encontram em negociacoes. Eu gostaria de mostrar mais à Primeira Ministra Angela Merkel, que virá nos fazer uma visita na semana que vem, do que a capital. Gostaria de levá-la à regiao do Amazonas, aos descendentes de alemaes em Blumenau ou a uma reuniao do sindicato da Volkswagen.
Spiegel: Depois de cinco anos de mandato o senhor continua bastante popular. Irá se candidatar novamente?
Lula: Dois mandatos sao suficientes, do contrário a democracia se transforma em uma ditadura. Uma mudanca é boa para o país.
Spiegel: Entao o senhor nao irá presenciar o jogo final entre o Brasil e a Alemanha no estádio do Maracana em 2014 como anfitriao?
Lula: Como presidente nao, mas como fa de futebol. Este papel me é aliás muito mais simpático.
Spiegel: Senhor Presidente, agradecemos por esta entrevista.
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