Tenho muitos amigos virtuais com quem adoro trocar ideias. Nunca os vi pessoalmente, mas eles enriquecem – e muito – a minha vida. Um deles é o autor deste texto aqui, Fernando Cavalcanti, de Recife:
Betinho: “Pode explicar esse atentado de ontem na França? E por que tanta comoção?” Eu: “Sim. Ontem terroristas metralharam 12 pessoas na redação da revista satírica francesa Charlie Hebdo, e isso vem sendo encarado como um atentado à liberdade de imprensa. O motivo é que essa revista, há algum tempo, publicou charges sobre o profeta Maomé. Recebendo ameaças de morte de grupos fundamentalistas islâmicos, seu editor-chefe, Stephane Charbonnier, o ‘Charb’, respondeu que não se retrataria, pois considerava a liberdade de expressão, inclusive a de zombar (‘moquer‘) de pessoas e idéias, como mais sagrado para a democracia do que qualquer religião. E que preferia morrer de pé do que viver de joelhos. Ontem ele foi um dos jornalistas assassinados.” Betinho: “Horrível. Mas, tio, eles também provocaram, né? Você sempre me ensinou a respeitar as crenças dos outros. Se tivessem ficado quietinhos, nenhum mal lhes teria acontecido.” Eu: “Seu raciocínio parece lógico, mas é errôneo e perigoso.” Betinho: “Por quê?” Eu: “Porque só leva em conta a questão mais superficial, que é a da ação e reação, e negligência a principal, que é o da hierarquia dos direitos.” Betinho: “Como assim?” Eu: “Uns direitos são mais valiosos do que outros. O direito que merece o maior respeito é o direito à vida, pois é a base de todos os demais. Logo, achar que o fato de alguém desrespeitar as suas idéias lhe dá o direito de responder matando essa pessoa é tão absurdo como considerar que o fato de alguém jogar lama na sua cabeça lhe dá o direito de reagir arrancando a cabeça dele.” Betinho: ” Eu nunca defenderia um assassinato. Quis dizer que é preciso respeitar a religião e a cultura dos outros.” Eu: “E eu sempre ensinei vc a ter esse respeito. Mas quero que vc aprenda a respeitar em primeiro lugar a vida alheia; Em segundo, os bens materiais alheios; Em terceiro, a expressão das idéias alheias; E, por último, a fé alheia.” Betinho: “Você, tão religioso, considera o respeito à fé alheia o menos importante de todos?” Eu: “Sim. Porque minha vida e meus bens materiais podem ser facilmente destruídos por qualquer um; Minhas idéias podem ter sua expressão impedida pelos governantes; Mas minha fé é um presente todo particular em minha vida, que só eu mesmo posso me dar ou abandonar. Ela não pode ser destruída, pois é imaterial. E sua expressão não pode ser reprimida, pois ocorre diretamente entre mim e Deus.” Betinho: “Nunca tinha pensado nisso! Que a fé, quando é forte, não precisa de proteção!’ Eu: “A fé, quando é forte, dá proteção. E coragem. E é isso que diferencia o mártir do fanático: o fanático está pronto a matar por sua fé; o mártir, que é o verdadeiro crente, a morrer por ela. Nesse sentido, Charb e seus colegas, ateus e irreverentes, mas que morreram defendendo desarmados suas idéias, foram muito mais religiosos do que a maioria das pessoas que diz ter fé.” Betinho: “Que Deus os tenha!” Eu: “E nos faça nunca esquecer seu exemplo.”