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::Convivendo com o inimigo::

25/09/2017

Depois do susto das eleições de ontem, onde mais de 13% dos votos foram para o partido de extrema direita da AfD, andava hoje pelas ruas e ficava pensando em quem serão essas pessoas, esses que votaram no AfD. Um em cada cinco no leste alemão e até um em cada quatro homens votaram nesse partido. O comentário de hoje, por causa disso, era de que a democracia tem um problema masculino na Alemanha.

O AfD é um partido racista, xenófobo, marrom (a cor do nazismo), escondido atrás do azul cintilante de suas propagandas. É o partido que disse que o jogador de futebol Boateng até joga bem, mas que ninguém gostaria de tê-lo como vizinho. Que, em última medida, deveria-se atirar em mulheres e crianças refugiadas na fronteira alemã. E ontem o Gaulant, chefe do partido, disse que vai caçar a Merkel e quem quer que esteja no poder, que ele vai recuperar seu país e seu povo. Chega a dar medo. Nessas horas, acho bom viver na fronteira!

Felizmente há muitas cabeças pensantes no país, uma delas é a Ferda Ataman, cujo artigo que saiu hoje na revista Der Spiegel eu vou fazer questão de traduzir. Vamos lá!

Aqui quem fala é uma cidadã preocupada – Ferda Ataman

Desde que ouvi o Alexander Gaulant dizer ontem em todos os canais de tevê de forma bem alta e agressiva que “nós vamos recuperar nosso país e nosso povo de volta”, estou atordoada. Essa ênfase toda na palavra “nós”. O que significa isso? Desde quando se pode falar desse jeito dentro da Alemanha, sem ser taxado de persona non grata? “Recuperar nosso país” – talvez isso significa que vão fechar as fronteiras e desistir de tratados como o de Schengen. Mas “recuperar nosso povo”, o que será que o AfD quer dizer com essa frase, partido esse que daqui a pouco vai entrar no parlamento alemão com 13% dos votos? Eu não consigo achar resposta para isso. Ou não quero. Porque quem haveria de ser o “nosso povo”?

O político da AfD Jörg Meuthen explica logo em seguida na “Berliner Runde” (Rodada de Berlim) que eu como alemã de origem turca, que se esforçou para se integrar e para aprender o idioma alemão, faço parte desse grupo de forma plena. Pertenço ao povo alemão. A ênfase dessa vez fica na palavra “alemão”. E ele afirma que o AfD não pode ser um partido racista, dizendo que seu sucesso vem também de pessoas de origem estrangeira. Não achei nenhuma estatística a respeito. O que encontrei foi um estudo representativo de 2016, que afirma que em um local de votação em Freiburgo, um total de 40 de 118 pessoas que votaram na AfD tinham origem estrangeira. Conclusão do estudo: muitos alemães que emigraram para a Rússia e depois retornaram para a Alemanha, os chamados “Russlanddeutsche“, alemães-russsos, votaram no AfD.

Mas não importa quem votou nesse partido populista de extrema direita no último domingo: o AfD é e continua sendo um partido que se posiciona contra os muçulmanos e contra os refugiados, com racistas em suas primeiras fileiras e – desde o sucesso de ontem – com alguns integrantes de extrema direita nas últimas fileiras. Agora a coisa vai ficar interessante, poderia se dizer, isto é, se não se fizer parte do grupo dos muçulmanos, judeus, homossexuais ou qualquer outro grupo “diferente”, pelo menos diferente do que a nova Direita gosta/aceita. Para mim como alemã de origem turca, que o AfD sugere que retorne para a Anatolia, sinto-me acima de tudo acuada quando vejo notícias de que uma parte do povo está sendo atacada sem que nenhum comentário crítico seja anexado a esse ataque. Nunca antes um partido conseguiu entrar no parlamento (alemão) com dois pontos percentuais. E daí aparece um, que quer recuperar o povo alemão.

Mas ninguém falou ontem sobre as preocupações de pessoas como eu.

Ao invés disso, discutiu-se meticulosamente sobre as preocupações daqueles que votaram no AfD, onde quase todos têm medo da “perda da cultura e do idioma” (95%) e de uma”influência muito grande do islã dentro da Alemanha” (92%). Essas questões foram levantadas como se fosse possível extrair delas respostas para inquietações da sociedade – como por exemplo aposentadorias seguras e aluguéis possíveis de pagar. Eu olho para a tabela da pesquisa do AfD, que parece um soco no rosto, e que é apresentada por um moderador que provavelmente não está me considerando como uma de suas telespectadoras. Como se a “perda da cultura alemã” não significasse que “a Alemanha é dos alemães”. Como se o medo difuso da influência do islã não fosse um indicativo claro de um ato racista contra os muçulmanos.

Eleitores como eu tiveram que presenciar muitas vezes durante a última fase eleitoral que políticos e jornalistas sem nenhuma origem estrangeira discutiram de forma detalhada sobre minorias, imigração e a política de refugiados, sem que ninguém de origem estrangeira pudesse participar da conversa.

Ainda me pergunto como é possível em pleno ano de 2017 discutir sobre temas importantes para o país sem incluir pessoas de origem estrangeiras na conversa. E no caso do duelo dos concorrentes ao cargo de chanceler alemão aconteceu exatamente isso: quatro jornalistas “brancos” colocavam perguntas provocativas sobre imigração, integração e medo de muçulmanos, mas nenhum deles tinha conhecimento de causa.

E na noite das eleições, a coisa se repete: na “Berliner Runde” (Rodada de Berlim) iniciou-se uma discussão sobre o que significava a votação do parlamento alemão para a Alemanha entre sete representantes de partidos e dois jornalistas de idade avançada de canais de televisão alemã, a ARD (Rainhald Becker) e o ZDF (Peter Frey) – todos na mesa eram brancos.

Enquanto eu participava de um chat com outras mulheres engajadas de cor (de origem estrangeiras), nos percebemos: mais uma rodada de discussão, sem que “nós” fossemos incluídas. Aliás não nos vemos como pequena minoria. Somos um grupo grande da sociedade, que ainda é passado pra trás com muita frequência. Já há 10 anos o Instituto Alemão de Estatística está contando quem mora na Alemanha e tem origem estrangeira. Sem os alemães-russos somos 18,6 milhões de pessoas, o que significa 23% da população, um a cada quatro habitantes do país, e o que muitos não sabem: uma grande parte desse grupo, 9,3 milhões, possui passaporte alemão. E falamos bem o idioma alemão. Basta que tentem! Agora há quatro anos pela frente de discussões com populistas de extrema direita. Também gostaríamos de participar das discussões.

Fonte: Artigo da revista Der Spiegel: Hier spricht eine besorgte Bürgerin de 25/09/17.

 

::Visitas do Brasil na Alemanha::

20/09/2017

O verão está chegando ao fim e com ele as visitas do Brasil já foram embora. Agora no finalzinho desse período, no meio de setembro, nos divertíamos com minha mãe afirmando que “aqui é frio demais, que ela não sabe como alguém pode conseguir viver aqui e que sente muita pena de levantarmos cedo e termos que sair pra trabalhar nessa friagem…” Detalhe: o “muito frio” dela é quase verão para os patamares alemães, próximo ou pouco abaixo dos 20 graus. Mal sabe ela quando o frio aperta mesmo!…

Pra receber bem minhas visitas, já deixei um cartão SIM em cima da cama deles, como outrora deixávamos só toalhas de mão e de banho. Começamos tentando fazer o cartão do meu irmão funcionar. Estava indo tudo tão fácil que ele comentou que pra um terrorista seria simples demais comprar um cartão e colocar dados falsos a torto e direito no sistema… No final de todos os dados, tínhamos que nos comunicar com a operadora e ele mostraria seu rosto e seu passaporte para liberar o uso do número dele. Daí descobrimos que pelo menos o nome para o uso do celular alemão tinha que ser real. Mas mal sabíamos nós que a burocracia estava para começar… pois o Brasil não faz parte dos países onde se pode fazer o reconhecimento online, e isso significava que iríamos ter que fazer o reconhecimento pelos Correios, o que aqui se chama PostIdent. Passamos por uma maratona indo aos Correios e voltando, depois tentando descobrir onde ficava o formulário necessário, depois preenchendo e imprimindo o formulário, e por último indo a uma agência dos Correios com tradução simultânea a postos, munidos de toda a documentação e concordando que tirassem cópia do passaporte, assinando a documentação perante a funcionária dos Correios… para finalmente o meu irmão ser detentor de um número de celular alemão. No final, sua conclusão foi categórica: esse processo todo, que é novo e foi implementado desde o último 1. de agosto de 2017, é muito complicado para estrangeiros e tem grandes chances de manter os terroristas longe daqui, pelo menos os que pretendem usar um número dentro da Alemanha!

Mais uma coisa que organizamos foram os seguros de saúde e contra danos pessoais (Krankenversicherung & Haftpflichtversicherung), o que fizemos, mas graças a Deus não precisamos usar.

Descobrimos que algumas regras de trânsito são diferentes entre o Brasil e a Alemanha, por exemplo aqui vale a máxima do “rechts vor links” (o carro vindo da direita tem preferência quanto ao da esquerda), o que no Brasil nem sempre é válido, pelo que meu irmão estava me explicando. Eu queria oferecer, mas ele preferiu não dirigir nosso carro por aqui, precavido que ele, como um bom mineiro, é!

E descobrimos algo também curioso. Fizemos uma viagem com nossas visitas para fora da Europa e no final não queriam nos deixar embarcar porque o voo de volta não ia direto até o Brasil, somente até a Europa. Acho que estavam até com a suspeita de que eles estavam tentando emigrar para a Europa quase dando a volta ao mundo! Nem o fato de eu ter falado que brasileiros têm permissão para ficar na Europa durante três meses sem a necessidade de um visto não foi suficiente. No final, só mesmo a apresentação do voo de volta para o Brasil, que ocorreria uma semana mais tarde, foi suficiente para que nos deixassem embarcar…

Minhas visitas observaram como é fácil aqui na Alemanha trocar dinheiro estrangeiro, rapidinho, sem burocracia e papelada. Adoraram andar de trem, carro rápido na rodovia, ônibus e usar tíquetes que valem para toda uma região, tanto para trem quanto para ônibus (por exemplo o Hessen-Ticket quando fomos a Marburg, que valia para o trem e para ônibus dentro da cidade também). Observaram que os horários de trens e ônibus geralmente são ajustados para que o usuário não fique muito tempo esperando entre um trajeto e outro, mas também tiveram o “prazer” de experimentar os atrasos da nossa querida Deutsche Bahn (companhia alemã de linhas férreas).

Vi que estavam com muita saudade de arroz com feijão quando tirei um feijão da despensa para cozinhar. Eu que sou eu, que já moro aqui há tanto tempo e quando morava no Brasil não entendia como se pode comer arroz e feijão todo dia, confesso que também sinto falta e sempre me alegro quando posso comer comida da Terrinha com gosto de “comida da minha mãe”!

E quanto a você, quais foram suas experiências com visitas do Brasil na Alemanha nesse verão? Todo comentário é bem-vindo e pode facilitar a vinda de outros familiares também! Obrigada!


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