Ir a um show de um artista brasileiro no exterior tem um significado diferente do que teria se estivéssemos ainda no Brasil. É um misto de voltar às origens, encontrar pessoas que falam a nossa língua, que potencialmente vão cantar as mesmas músicas que queremos cantar, é uma oportunidade para rever amigos e, quem sabe, fazer novos. De qualquer maneira, é um momento de lazer, misturado a um momento de instropecção, de encontro conosco mesmo. É um momento onde achamos que estamos meio em casa, apesar de tão longe. Entramos numa bolha imaginária e queremos…. cantar, dar asas à nossa alma.
Nem sempre isso é possível – ainda mais se formos a um show em Zurique, que ainda que possa ser um pouco estranho, é a maior cidade europeia mais próxima da minha casa, que moro no extremo sul da Alemanha. No show do Gilberto Gil, por exemplo, que ganhei de presente das minhas amigas brasileiras aqui de perto de casa (mais uma vez: obrigada!), o público foi selecionado pelo preço das entradas. E com esta seleção, vieram as exigências do mesmo. Aqueles que pagaram caro para assistir de perto uma lenda da música brasileira, estavam sentados, bem de frente ao cantor. Muitos deles eram casais bi-nacionais, eram praticamente uma mistura de 50% de brasileiros e 50% de suíços. Resultado: os suíços que pagaram caro para assistir o show de pertinho ficavam reclamando o tempo todo dos brasileiros, chamando a atenção deles, pedindo que se calassem para que eles pudessem apreciar a arte do cantor… enquanto o Gilberto Gil pedia participação, esperava que o público cantasse com ele… Foi assim o tempo todo. O lado bom foi que eu estava no meio da galera em pé e, pelo menos onde eu estava, eu podia cantar. E cantei… O Gilberto Gil parecia um velhinho feliz, com um sorrisão estampado no rosto, um violão na mão e a certeza de que não devia nada a ninguém. E cantou… e maravilhou o público. Cantou velhos sucessos e apresentou alguns novos. A maioria deles, claro, em português, falando um bom inglês para se comunicar com o público. “Rio, rio, rio, rio e choro, choro e rio…”
Ontem foi o show do Ed Motta, também em Zurique. O público era jovem e parecia querer dançar. Ninguém estava lá para “podar” ninguém. Eu, da minha parte, fui pra lá com duas músicas fixas dele na minha cabeça. Queria ouvir e cantar, por exemplo “Manuel”, sucesso antigo, mas mais atual do que nunca… “Se eu fosse americano/um político minha vida não seria assim, hé, hé…” Sabia que o Ed Motta tem uma coleção de 30.000 discos em sua casa, que sua influência é de muita música estrangeira, de grandes nomes do jazz, pop e soul internacional, tinha ouvido o último CD dele e notado que ele estava cantando muito em inglês, mas acreditei que ele saberia dividir a atenção do público entre sua nova e antiga arte, misturando músicas em inglês com português. Errei: ele quase só cantou em inglês. ..Cantou muito bem – diga-se de pasagem, com aquele vozeirão inacreditável, aquela dádiva de Deus – e interagiu muito bem com o público, trouxe excelentes artistas consigo (que não puderam mostrar seu potencial porque a baixa qualidade da aparelhagem do som não deixou), fez uma sessão de beat box linda, mas cantou quase que 100% só em inglês. Cantou música dele, cantou música de Deus e o povo. Mas deixou seus próprios sucessos em português de lado. O show foi chegando ao fim e as minhas esperanças também, junto dele.
No final do show, realizei que teria mesmo que voltar pra casa e buscar em vídeos do YouTube as músicas que queria tanto ter ouvido ao vivo, pensei que eu tinha ficado na linha do tempo, que a arte dele tinha avançado, enquanto eu conhecia e queria ter ouvido os sucesssos antigos dele. Comentei com minha amiga, a Chris, com quem tinha ido ao show, e ela não me deu razão. Seu argumento foi que se ele cantou sucessos antigos americanos, de 20-30 anos atrás, por que não haveria de poder cantar seus próprios sucessos em português? E sabe que ela tinha razão?!? Bom,a turné dele ainda não acabou na Europa. Espero que ele cante alguns de seus sucessos por aí!… Pra mim, fiquei com uma admiração ainda maior pelo artista, mas saí dali de Zurique com um gostinho de quero mais. Quero mesmo é poder ir a um show de um artista brasileiro no exterior e comungar com outros e comigo mesma minha cultura.
No Facebook do artista, achei um pouco uma explicação para tanto inglês (também no show): “Eu publico em inglês porque estou numa tour entre USA e Europa. Tirando Portugal ninguém fala português… Preciso me comunicar com um número maior de pessoas. O inglês é língua universal, o mundo inteiro fala ou se esforça. O Brasil não se esforça para nada fora da zona de comforto. Eu só leio em inglês, não leio NENHUMA publicação brasileira faz muitos e muitos anos. Eu sonho em inglês etc. O mundo como conhecemos fala inglês.” Post de 01.11.14, Record Collector Magazine
Com vocês, Ed Motta: