::20 anos depois da Queda do Muro de Berlim::


A música “Wind of Change”, da banda alemã The Scorpions, virou símbolo da reunificação alemã.

A primeira vez que fiquei sabendo que havia um muro dividindo a Alemanha, ainda mais com Berlim fazendo o papel de uma “ilha” meio socialista e meio capitalista bem no meio do lado socialista, foi no 1° grau, acho que na 8a. série, lá pelos idos de 1982. Era difícil de imaginar que isso fosse possível existir. Na época, numa aula de história ou geografia, deveríamos escolher entre o sistema socialista e o capitalista para formarmos grupos para uma discussão na aula, e meu irmão, que é 2 anos mais velho do que eu, e percebendo que eu tinha me interessado pela ideia de um sistema onde as pessoas tivessem as mesmas oportunidades, me alertou: “Escolha o capitalismo, pois ele sempre ganha!”. Ele teve razão. Em parte digo: infelizmente.

Anos mais tarde, já na Alemanha “não” mais dividida, visitei Berlim, vi como o muro era de verdade (na realidade chegava a ser composto de 2 muros com um espaço vago entre eles) e vi casas na fronteira onde não podiam existir janelas, pois os dois mundos deveriam ficar incomunicáveis por muito tempo. No Museu do Checkpoint Charlie fiquei conhecendo várias tentativas frustradas de alemães do lado oriental que tentaram de tudo, de várias formas altamente criativas, para conseguir fugir para o lado ocidental. Uma das maneiras de punir os “desertores” do sistema era tirar deles os filhos, se fossem famílias, e estas crianças eram repassadas para famílias mais quietinhas e conformadas, “adotadas” por elas. Os adultos, os desertores, eram então “expulsos” para o lado ocidental. Assim muitas famílias na Alemanha Oriental foram separadas para sempre – ou por muito tempo – pelo sistema totalitário, que só aceitava o conformismo.

Uma pesquisa recente do Leipziger Insitut mostra que 12% dos alemães sentem falta do tempo antes da Queda do Muro, na parte oriental da Alemanha 50% das pessoas reclamam que hoje há mais desigualdade social do que antes. Eu acho que deve ser provavelmente porque, apesar dos pesares, o nível de vida até a década de 80 aqui era melhor: Na Alemanha ocidental ele era altíssimo, enquanto que na Alemanha oriental não era alto, mas ainda assim era “igual” pra todo mundo. “Igual” entre aspas porque todos os que faziam parte da cúpula do sistema ou tinham relacionamento constante com o ocidente dispunham de regalias que o resto da população não tinha acesso. E lá não havia desempregados. O sistema de creche era bem instalado e até a população feminina estava bem integrada como mão-de-obra, parte da população economicamente ativa. Em troca, este povo não tinha liberdade. Mas como não existe só certo e errado, só preto e branco, mas sim mil tons de cinza neste meio, e como o sistema capitalista também demonstra não ser o ideal, ninguém pode argumentar que o sistema socialista era só ruim e negativo. Apesar de toda a loucura de colocar um muro dividindo um país, famílias e amigos, em troca de uma ideologia…

Segundo a pesquisa acima, 8 em cada 10 alemães associam hoje a Queda do Muro como tendo sido um acontecimento positivo. 2/3 dos alemães acham que o processo de reunificação foi bem sucedido. Até hoje todo trabalhador do lado ocidental paga impostos para apoiar o lado oriental (Solidaritätszuschlag, descontado na fonte, na folha de pagamento), na realidade todo cidadão alemão contribui através de impostos que são transformados em ajudas sociais para o lado oriental, mas as discrepâncias entre os dois lados, principalmente com relação a desenvolvimento industrial e ao número de desempregados, continua grande. No lado oriental, os partidos mais extremistas têm mais facilidades de avançar frente a dificuldades econonômicas. O mesmo acontece com a tolerância para com estrangeiros – ou a falta dela.

Durante os anos que moro na Alemanha percebi que tanto a construção quanto a queda do Muro se deu em um determinado espaço de tempo, mas na cabeça dos alemães (e de outras nacionalidades também, claro) o “muro” tem demorado décadas para cair. Li por exemplo no jornal da minha cidade que uma menina de 14 anos, filha de pais da Alemanha oriental, é comumente tratada na escola pelos “Wessis” (os que nasceram do lado ocidental da Alemanha) como sendo a “Ossi” (originária da Alemanha Oriental, apesar dela nem ter nascido lá!…). Pode parecer absurdo, mas talvez seja um reflexo das desiguldades do mundo capitalista “moderno”: a pesquisa do Leipiziger Institut mostrou que 12% dos alemães (dentre eles em grande maioria desempregados, trabalhadores braçais e eleitores de esquerda), gostariam que o Muro fosse construído novamente.

A Queda do Muro tem um valor histórico, prático pra quem “renasceu” lá ou do outro lado da Alemanha e, muito mais importante, simbólico para todo e qualquer ser humano na Terra. O lado triste da coisa é que HOJE existem outros muros em outros cantos do mundo, já construídos ou em fase de construção. A comemoração dos 20 anos da Queda do Muro de Berlim mostra que o mundo tem que se aproximar, as pessoas têm que chegar perto uma das outras e parar com essa classificação e divisão desenfreadas, buscando por um mundo mais solidário e humano. Somos todos UM e só funcionamos de forma interdependente. Não importa de que lado viemos, o que importa é para onde vamos. Irgendwann fällt jede Mauer (em algum momento todos os muros vão cair).

Fontes: Revista “Der Spiegel”, jornal “Südkurier”, BBC News, YouTube.

***

Deixo a dica do blog “The Wall Memories“, escrito por uma jornalista brasilera, que estará comemorando hoje o dia inteiro a Queda do Muro de Berlim. Passem por lá! Leiam também na página da Deutsche Welle (em português) “Tudo sobre o Muro de Berlim”.

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22 Respostas to “::20 anos depois da Queda do Muro de Berlim::”

  1. thewallmemories Says:

    Obrigada pela indicação aos teus leitores, Sandra! Um beijo, Ariane

  2. Feliz Aniversário da Queda do Muro de Berlim | gabrielstein.org Says:

    […] https://mineirinhanalemanha.wordpress.com/2009/11/09/20-anos-depois-da-queda-do-muro-de-berlim/ http://thewallmemories.wordpress.com/ Posted in Diversos | « divagações e o pré-conceito You can leave a response, or trackback from your own site. […]

  3. Evelyne Says:

    Deutsche Welle refazendo a história da queda do muro no twitter!
    http://twitter.com/dw_muro_berlim

    É voltar ao passado!

    Bjs!!

  4. Helton Says:

    E aqui no brasil fazemos piada com a nossa realidade. http://charges.uol.com.br/2009/11/09/cotidiano-aniversario-da-queda/

    • Sandra Santos Says:

      20 anos sem o muro de Berlim… de Berlim… Como sempre, fazemos piada no Brasil até com temas onde nao há nada para rir. 😦
      Obrigada pela charge, Helton. Volte sempre!
      Um abraco,
      Sandra

  5. Tweets that mention ::20 anos depois da Queda do Muro de Berlim:: « Mineirinha n’Alemanha -- Topsy.com Says:

    […] This post was mentioned on Twitter by gabrielstein, Marco Botelho. Marco Botelho said: 20 anos da queda do muro de Berlim: http://bit.ly/2KmFd3 […]

  6. Mi Says:

    gostei do seu post…so tenho uma observacao: o Solidaritätszuschlag é pago pelas pessoas do antigo lado oriental tb 😉 e esse é um erro muito comum, que as pessoas pensam que so o ocidente paga para a reconstrucao do leste.
    é uma pena que as desigualdades ainda sejam tao gritantes, mas fica a esperanca que as novas geracoes ja crescam sem tanto preconceito. bjs!

    • Sandra Santos Says:

      Oi Mi,
      Obrigada pela contribuicao. Eu também espero que as novas geracoes vivam sem muros e com mais solidariedade e compreensao, nao só aqui mas também em todas as partes do mundo.
      Um beijo grande,
      Sandra

  7. Roberta von Zastrow Says:

    Ótimo seu post sobre os 20 anos da queda do muro, Sandra! Não ando parando em casa pra ver um jornal, mas gostei de acompanhar fatos tão interessantes sobre o acontecimento aqui do seu blog! Está de parabéns!
    Já estou lendo seu livro! Estou adorando 🙂
    Qual seu e-mail para que eu possa te passar meu endereço??
    Beijosss Sandrinha :*

  8. Eny Says:

    Sandrinha!

    É com muita alegria que eu vejo a comemoração dos 20 anos da queda do muro de Berlim, mas como vc disse, outros muros estão sendo construídos, no momento.
    Eu, que vim recentemente de Israel, posso testemunhar a tristeza que é ver as pessoas separadas por um muro…
    Por que não podem se tolerar e viver em harmonia, respeitando-se mutuamente, né?

    • Sandra Santos Says:

      Oi querida,
      É verdade. O que me deixou de boca aberta ontem foi descobrir que temos também um muro no Brasil, nas favelas do Rio!
      Se tivessem me contado, diria que era mentira!…
      Quero ainda viver para presenciar um mundo sem muros!!!
      Um beijo,
      Sandra

  9. Mayara Ferreira Gomes Says:

    Seu post sobre os 20 anos da quedo do muro…
    estou fazendo um trabalho sobre esse assunto
    qndo li seu post me ajudou mundo a ter ideias
    para escrever vlw bjos ;D

    • Sandra Santos Says:

      Oi Mayara,
      Seu comentário acabou saindo duplamente, pois da 1a. vez que comenta ele nao aparece imediatamente. Mas da próxima vez, o verá em seguida, ok?
      Outro beijo,
      Sandra

  10. Mayara Ferreira Gomes Says:

    Seu post sobre os 20 anos da queda do muro está mto legal…
    Estou fazendo um trabalho sobre esse assunto
    qndo li seu post me ajudou muito a ter ideias
    para escrever vlw bjos ;D

  11. Rafael Says:

    Muito bom teu texto, gostei muito! A queda do muro de Berlim mudou o rumo da história. Não só os alemães vivenciaram tal mudança. Dá uma olhada no que escrevi e me diz se gosta: http://fantasticocenario.wordpress.com/2009/11/09/20-anos-da-queda-do-muro-de-berlim/

  12. thewallmemories Says:

    Oi Sandra,

    Linkei o teu blog por lá: http://thewallmemories.wordpress.com/linkando/

    Obrigada pela força!

    Ah, tô adorando o livro! 🙂
    Beijoca,
    Ariane

    • Sandra Santos Says:

      Oi Ariane,
      Obrigada por ter linkado meu blog no seu. Que bom que está gostando do livro. Um elogio vindo de vc, como jornalista profissional, para mim é um grande elogio! 🙂
      Um beijo e que continue tendo uma boa leitura!
      Sandra

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